Como usar múltiplos na avaliação de empresas
A valorização de uma empresa a partir de múltiplos (rácios financeiros que comparam valores de mercado com valores da empresa) é uma forma de complementar a sua avaliação através do discounted cash flow (DCF). Os múltiplos ajudam a triangular (validar) os resultados obtidos com o DCF e podem ser usados em empresas cuja informação financeira é escassa ou instável, como acontece com as startups. Que rácios podemos usar e que cuidados devemos ter na sua utilização?
O que são múltiplos de valorização?
Os múltiplos são rácios financeiros que ajudam a determinar o valor de uma empresa com base em valores padronizados. Talvez o múltiplo mais conhecido e usado pelos investidores e analistas seja o PER, Price to Earnings Ratio, que compara o valor da cotação de uma empresa com os resultados por ação sendo a sua expressão matemática a seguinte:
Calculando este rácio para um conjunto representativo de empresas do mesmo setor chegaremos a uma média setorial que servirá dessa forma para ajudar a valorizar a empresa em análise.
Dizemos que as empresas desse setor valem em média x vezes os seus resultados anuais e se a empesa que estamos a avaliar apresenta um PER demasiado distante dos valores médios do seu setor, é provável que a empresa esteja sub ou sobre valorizada ou que a avaliação não tenha sido corretamente efetuada.
A necessidade de sumarizar e validar a avaliação de empresas
Esta análise tem a vantagem de ajudar a sumarizar e validar uma avaliação mais profunda e precisa como a que se obtém através do DCF. Porém, é comum ser realizada de forma bastante superficial e mecânica pelo que vale a pena pensar um pouco antes de se retirarem conclusões importantes.
A propósito da vantagem de sumarizar de forma rápida o processo de valorização de uma empresa, recordo um episódio que assisti há dias numa apresentação de uma aplicação que supostamente calcula o valor de uma empresa a partir do seu número de identificação fiscal (apenas o NIF e nada mais!), qual médico capaz de descobrir quanto tempo mais nos resta neste mundo a partir do nosso cartão de cidadão.
Ora, tal como temos vindo a demonstrar em artigos anteriores no Portal-Gestao.COM, a avaliação de empresas é um processo complexo que envolve pressupostos firmes sobre o crescimento, o custo de capital e o retorno do investimento para o futuro da empresa.
No fundo, uma empresa vale a soma de todos os fluxos de caixa futuros que seja capaz de gerar durante a sua existência pelo que não se pode resumir o seu valor a um simples rácio ou conjunto de rácios. A análise deve ser mais profunda do que isso e deve ser capaz de contemplar a estratégia da empresa e como esta tem o potencial para gerar valor num cenário competitivo relativamente aos seus pares.
Como podemos usar os múltiplos de valorização na avaliação de empresas e de que maneira?
Mas voltando ao tema central deste artigo, como podemos usar os múltiplos de valorização na avaliação de empresas e de que maneira?
O primeiro aspeto a ter em conta é saber escolher os múltiplos corretos. Por exemplo, o PER tende a ser relativamente mais baixo para as empresas mais endividadas porque o mercado vai descontar o valor da dívida o que baixa o numerador da fórmula do PER. Da mesma forma, a empresa mais endividada vai gerar mais resultados por unidade de capital próprio investido.
Então, se considerarmos duas empresas (A e B) que produzem exatamente os mesmos resultados e se A tem um nível de endividamento superior a B, será expetável que A tenha um PER mais baixo do que B. Mas significa isto que A vale mais (ou menos) do que B? Claro que não! Se as duas empresas geram os mesmos cash flows então deveriam ter múltiplos de valorização idênticos, o que não acontece apenas porque usamos o múltiplo errado.
Uma alternativa ao PER é a utilização do Enterprise Value sobre o EBITA que evita a distorção causada pelas diferentes estruturas de capital que não são um indicador representativo da capacidade da empresa gerar fluxos de caixa futuros e, consequentemente, do seu valor.
Este múltiplo evita o efeito de alavancagem financeira porque no numerador usamos o EV que considera não só o valor do capital próprio (como no PER) mas também o valor da dívida. Desta forma, independentemente da estrutura de capital da empresa A e B, o rácio não será alterado e conseguiremos fazer uma comparação mais justa dos múltiplos de uma empresa com os seus pares.
No denominador, o EBITA é um melhor indicador do free cash flow do que os resultados líquidos. Este indicador exclui as depreciações, que funcionam como uma boa aproximação do investimento de substituição (que nalguns setores é significativo) e considera as amortizações porque estas incidem sobre ativos intangíveis mas apenas sobre os que forem adquiridos (os ativos intangíveis gerados internamente não figuram no balanço), o que também contribui para a eliminação de distorções causadas pelo efeito de diferentes estratégias de crescimento (orgânico vs. aquisição).
Existem vários outros cuidados a ter em conta na utilização de múltiplos que não terei a oportunidade de demonstrar neste artigo – talvez noutros artigos se merecerem o interesse dos utilizadores – mas um útlimo que gostaria de referir é a utilização de valores previsionais ou pró-forma em vez de valores históricos.
Porquê usar valores previsionais?
Em primeiro lugar, porque evitam distorções causadas por acontecimentos não-recorrentes. Quando usamos valores históricos, estamos basicamente a somar uma série de eventos passados que podem ser representativos ou não da capacidade da empresa gerar fluxos de caixa no futuro de forma sustentada.
Por exemplo, se a empresa no último ano alienou ativos e se essa alienação teve um impacto significativo nos resultados, deveremos excluí-lo na avaliação da empresa porque não se prevê que volte a acontecer de forma sistemática no futuro. Todavia, quando usamos valores previsionais, esse trabalho já está feito e devemos usá-lo.
Em segundo lugar, e para concluir este pequeno trabalho, a utilização de valores previsionais é adequada na medida em que incorpora expetativas quanto ao futuro. Ou seja, toda a informação conhecida com impacto no futuro da empresa está incorporada nos resultados e deverá ser usada.